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Finanças

A difícil arte de cortar custos

Revista Negócios e Sabores-ED.1

Publicado em 30.05.2016

Aparar os gastos de seu estabelecimento não é uma questão de economizar no guardanapo e diminuir as porções no chute. Aprenda a transformar a gestão de custos em trabalho sistemático e a evitar cortes que tirem o sabor de seu negócio.

Você provavelmente já viu a cena em algum desenho animado: no afã de manter um balão de ar quente flutuando, o personagem começa a jogar para fora do cesto tudo o que considera peso morto. Ele começa pelos sacos de areia, depois os itens supérfluos, depois objetos valiosos, até que, distraído com a urgência da tarefa, ele atira fora os cilindros de gás e o queimador – componentes essenciais para manter o balão no ar.

Em momentos de turbulência econômica, cortar gastos é o primeiro reflexo de donos de estabelecimentos. Mas a tarefa precisa ser executada metodicamente, como explica Concetta Marcelina, docente dos cursos planejamento e administração de restaurantes e bares e gestão de empreendimentos gastronômicos do Senac-SP: “Cortes precisam ser planejados e feitos com racionalidade. E isso só acontece quando você conhece a estrutura de custos de seu restaurante. Costumo dizer que não entra água no barco por um só buraco. Geralmente, são quatro buracos que você precisa identificar e consertar, para o lucro aparecer”.

Rever fornecedores, acompanhar as contas diariamente, conferir recebíveis e despesas, e checar a rotina do restaurante são algumas das tarefas de quem quer enxugar as contas.

A hora de aparar as arestas

Antes de mais nada, é importante saber identificar o momento de cortar custos. “Toda gestão precisa encontrar o ponto de equilíbrio nas contas, que é a receita mínima que você precisa ter para cobrir os custos fixos e os variáveis, sem ter prejuízo ou lucro. É o limite de operação para o restaurante sair do zero a zero”, diz Conchetta. Achar esse número é questão de colocar no papel todos os custos fixos, como folha de pagamento, aluguel e contas, e os custos variáveis, como o de Matéria-prima Vendida (CMV), que varia de acordo com o preço dos ingredientes no mercado e o volume de vendas alcançado. Em outras palavras: anote tudo!

Embora o balanço de contas seja uma tarefa executada no fim do mês, um acompanhamento diário é essencial para enxergar gargalos, enquanto ainda há tempo para corrigi-los. “É só anotando diariamente o fluxo de caixa que o proprietário conseguirá determinar como seus custos estão sendo diluídos no dia a dia. É o trabalho de anotar tudo o que entrou e saiu do caixa, diariamente”, afirma a professora. Fazer as contas todos os dias é o melhor jeito de descobrir se o problema está em custos elevados ou em baixa de vendas, que são problemas diferentes (veja o quadro ao lado sobre causas comuns de déficit de vendas). O acompanhamento diário também permite checar se houve algum problema com os recebíveis, ou seja, se todos os pagamentos de conta efetuados com cartões de débito, crédito e vale-refeição estão, de fato, entrando no fim do mês. O único jeito de identificar um deslize nessa área é anotar os números religiosamente.

Com o ponto de equilíbrio e um balanço detalhado das contas, fica fácil enxergar o momento em que o estabelecimento está dando prejuízo. Aí, então, é a hora de considerar cortes de custo.

Recorte na linha pontilhada

Para evitar perder a mão na hora de empunhar a tesoura, o ideal é usar uma lupa e seguir uma ordem que começa em custos de manutenção e só no final considera cortes de pessoal (confira o quadro “Revisão Geral”, na página seguinte). Algumas tentações devem ser evitadas, como medidas que afetam o conforto dos clientes: trocar o guardanapo por “espalhanapo”, por exemplo, ou usar um sabonete de baixa qualidade nos sanitários. Conchetta tem um termo para isso: “O nome é ‘rasgueiragem’ (risos). São cortes pequenos que depõem contra a imagem do restaurante. O público percebe. E a equipe do restaurante também”.

Outra medida perigosa é o aumento de preços ou a redução de porções feitos às cegas. Reajuste, só depois de conferir se a ficha técnica da receita está sendo seguida pela cozinha, se a popularidade do prato justifica seu custo e se é possível encontrar fornecedores de matéria-prima mais baratos que não comprometam a qualidade. “Só depois disso tudo, você deve considerar reduzir a porção ou tirar o prato do cardápio, nessa ordem. É preferível diminuir a quantidade de um produto popular do que correr o risco de perder um cliente ao tirá-lo do cardápio”, diz a professora.

Outro erro comum é cortar totalmente os gastos com divulgação, marketing e assessoria de imprensa. Em cidades com muitas opções de restaurante, aparecer em guias e anunciar é fundamental para atrair a clientela. O raciocínio é: se a Coca-Cola, uma das maiores marcas do mundo, precisa investir em publicidade constantemente, imagine seu negócio.

“Cortes precisam ser planejados e feitos com racionalidade. Isso só acontece quando você conhece a estrutura de custos de seu restaurante. Costumo dizer que não entra água no barco por um só buraco. Geralmente são quatro buracos que você precisa identificar e consertar, para o lucro aparecer”.

REvisãO gERAL

Siga este roteiro para se assegurar de que não está tirando os bois da frente do carro na hora de fazer cortes.

1.
Manutenção

Comece pelas contas de água, energia, gás e telefone. Seus equipamentos estão funcionando corretamente? Há algum vazamento? Os aparelhos elétricos são desligados devidamente no fechamento da casa?

2.
Recebíveis

Cruze, diariamente, as informações de pagamentos efetuados por meios eletrônicos (cartões de débito, crédito e vale) com o que entrou no fim do mês, para se assegurar de não haver incoerência. Negocie taxas de operação com bancos e empresas de cartões.

3.
Receitas

Confira se o modo de preparo das receitas está sendo seguido à risca e se as quantidades determinadas pela ficha técnica são usadas, de fato, na cozinha. Pequenas diferenças de medida se acumulam e viram custos excessivos com matéria-prima.

4.
Estoque

Fique de olho em tudo o que é jogado fora e investigue se a causa é um volume excessivo de compras, equipamentos inadequados ou armazenamento indevido. Um acompanhamento diário de estoque diminui o desperdício e evita reposições emergenciais.

5.
Fornecedores

Transforme em hábito pesquisar o mercado por insumos mais baratos. Acompanhar as feiras do setor é uma das atribuições mais importantes de gestores de restaurantes. Uma boa dica é trocar informações com outros donos de restaurantes.

6.
Pessoal

Acompanhe de perto o dia a dia de seu negócio para determinar se sua equipe está otimizada. Há atividade para todo o tempo de trabalho? Existem horas ociosas durante a jornada? O movimento durante os turnos justifica o tamanho da equipe?

Transparência e visão

Além de planejamento e racionalidade, um ingrediente não pode faltar em sua política de cortes: transparência. Conversar com a equipe sobre a própria necessidade de reduzir custos é o primeiro passo para tê-la a seu lado, ajudando a identificar possíveis fontes de desperdício. Abrir o jogo também deixa claro que você está fazendo o possível para evitar cortes de pessoal, que podem ser inevitáveis.

Nessa hora fatídica, é preciso fazer uma análise minuciosa da operação, observando o dia a dia do negócio. Conferir se existem mesmo atividades para justificar as horas de trabalho da equipe, identificar os momentos ociosos e, finalmente, determinar se o número de funcionários é excessivo. Fazer cortes nunca é agradável, mas usando método, diligência e transparência, você ao menos terá a certeza de que não sacrificou uma parte essencial de seu negócio. Lembre-se de que as tempestades vêm e vão, mas um balão não pode voar sem cilindros de gás e queimador.

Fonte: tese de mestrado “Gestão de Custos em Restaurantes – Utilização do Método ABC”, de Isabela Laginski Lippel, UFSC 2002